[en]
In 2022, I was invited by the artistic director of CISMO – Cister Meta Orchestra -, Mário Marques, to create two pieces for the project ‘CISMO invites Cristina Branco’. This initiative, presented as ‘challenging’ by Mário Dinis Marques, aimed to ‘celebrate music through music as a form of communication in which dialogue, sometimes in agreement, sometimes in disagreement, with harmony or divergence, but always with well-personalised arguments’.
In this project, the four composers (Daniel Bernardes, Daniel Schvetz, Anne Victorino, and I) were challenged to set themes from Cristina Branco’s repertoire to music, renewing the ‘senses in a contemporary discovery of a new approach to listening to music’, without ever losing our musical language and identity. Inspired by retrofit architecture, the aim was for the pieces to be juxtaposed with the songs, representing the multiple sound identities that exist.
From the set of songs selected for the project, I chose to build on Gaivota and Ai esta pena de mim.
As such, this piece was born in dialogue with Cristina Branco’s interpretation of Gaivota, but it was conceived to exist autonomously, with a life of its own. I tried to reflect my reading of Alexandre O’Neill’s poem, which I see as a deep internal conflict between the human desire to belong and the attraction of the unattainable. The seagull thus becomes a double image: a symbol of freedom, but also of that ‘wing that doesn’t fly’, of longing. In the verse ‘That perfect heart beats in my chest’, I find the core of this tension – the search for fulfilment through love. My interpretation moves away from a painful reading and instead emphasises the importance of the external gaze, of the relationship with the other as a safe harbour. It is this peace, this reconciliation that I seek at the end of the piece, where we hear musical elements that appear throughout the piece, in dialogue with homorhythmic attacks from some of the (transformed) harmonies of this fado.
This project was presented for the first time in June 2022, at the Alcobaça Monastery, by Cristina Branco (voice), Bernardo Couto (Portuguese guitar), Bernardo Moreira (double bass) and CISMO – Cister Meta Orchestra (Mário Marques, saxophones and artistic direction, Daniel Bernardes, piano, Rui Ramos, flute, Pedro Massarrão, cello, Gil Gonçalves, tuba, Manuel Campos, percussion).
[pt]
Em 2022 fui convidado pelo director artístico do CISMO – Cister Meta Orchestra -, Mário Marques, a criar duas peças para o projecto “CISMO convida Cristina Branco”. Esta iniciativa, apresentada como “desafiadora” pelo Mário Dinis Marques, teve como objectivo a “celebração da música pela música como forma de comunicação em que o diálogo, ora em acordo, ora em desacordo, com sintonia ou divergência, mas sempre com os argumentos bem personalizados”.
Neste projecto, os quatro compositores (Daniel Bernardes, Daniel Schvetz, Anne Victorino, e eu) fomos desafiados a musicar temas do repertório da Cristina Branco, renovando os “sentidos numa descoberta contemporânea de uma nova abordagem de ouvir a música”, sem nunca perder a nossa linguagem e identidade musical. Inspirado na arquitetura retrofit, o objectivo era que as peças fossem justapostas às canções representando as múltiplas identidade sonoras que existem.
Do conjunto de canções selecionadas para o projeto, escolhi criar a partir de Gaivota e Ai esta pena de mim.
Assim, esta peça nasce em diálogo com a interpretação de Gaivota por Cristina Branco, mas foi concebida para existir autonomamente, com vida própria. Procurei reflectir a minha leitura do poema de Alexandre O’Neill, que vejo como um profundo conflito interno entre o desejo humano de pertença e a atração pelo inatingível. A gaivota transforma-se assim numa imagem dupla: símbolo de liberdade, mas também dessa “asa que não voa”, de anseio. No verso “Que perfeito coração bateria no meu peito”, encontro o cerne desta tensão – a busca de completude através do amor. A minha interpretação afasta-se de uma leitura dolorosa para destacar antes a importância do olhar exterior, da relação com o outro como porto seguro. É essa paz, essa reconciliação que procuro no fim da peça, onde ouvimos elementos musicais que aparecem ao longo da peça, em dialogo com ataques homorrítmicos de algumas das harmonias (transformadas) deste fado.
O projecto foi apresentado pela primeira vez em Junho de 2022, no Mosteiro de Alcobaça, pela Cristina Branco, Bernardo Couto (guitarra portuguesa), Bernardo Moreira (contrabaixo) e CISMO – Cister Meta Orchestra (Mário Marques, saxofones e direção artística, Daniel Bernardes, piano, Rui Ramos, flauta, Pedro Massarrão, violoncelo, Gil Gonçalves, tuba, Manuel Campos, percussão).