pranto, bass clarinet, voice and electronics (2019)
[en]
This piece originated from a request from Frederic Cardoso to write a piece for bass clarinet, voice, and electronics to be premiered at his recital “Diálogo a Preto e Branco”, part of the series of concerts entitled “Estado da Nação” at Casa da Música.
The name and idea for the piece came from an overlap of the Portuguese words “preto” (black) and “branco” (white). By a fortunate coincidence, I realised that this superposition could create the word “pranto”, which can be translated as “weeping,” “crying,” or “lamentation” in English.
In this piece, I decided to write an (open) letter in the form of a poem to my father. From there, I developed the music and the poem side by side. This is one of the pieces in which I work on the sound of the text – the sound of the words – as an essential element of its sonic result, with the text appearing in the electronics, the vocal part and also the clarinet. I tried to convey a sincere dialogue in black and white. Perhaps, in this piece more than any other, I lay myself bare — fragile, unguarded.
pranto was premiered by Frederic Cardoso and Ana Santos in Sala 2 at Casa da Música on June 4, 2019.
Pranto
Fito os olhos no chão
e choro sem que me vejas.
É noite, é tarde,
e tu não estás acordado.
Mas seguras-me a mão, e amparas-me,
e, encostando a cabeça ao teu peito,
não temo o fado.
Apenas não quero que me ouçam,
não quero que me vejam,
nem quero que saibam o quão fraco sou.
Porque neste pranto,
a preto e branco,
soltando-me desta luta inglória
– mas sem problemas de consciência ou de memória – ,
continuo aqui: na eminência de sucumbir.
Finto o ódio (em vão)
com o luto que me despeja.
Espero que a dor retarde,
mas aguardar será escusado.
E, fitando os olhos no chão,
seguro o meu pranto.
Por dentro (só por dentro)
grito, rio, canto.
Baixinho.
Por dentro (neste manto)
grito, rio, choro.
Sozinho.
Mas, sereno e calmo,
Sacrifico o que tiver que ser.
E trago, na alma
e com a fé que me acalma,
o que me ensinaste.
E sei que estás por perto.
Deixo aqui estas papoilas por respeito,
flores que nos juntaram em todo o lado.
E, para que floresçam,
para que continuem a crescer mesmo quando os nossos olhos lacrimejam,
uso o choro que me pesa.
Porque neste pranto,
sério e franco,
contrario esta luta inglória
Uma lenga-lenga das estórias,
E luto, com o luto a trair.
Silêncio!
Faço do pranto nação
esta dor que ainda aleija.
Sem ter quem me resguarde
Sinto-me só, cansado.
Mas bem.
Fica descansado,
Observa-me, sem dor.
[pt]
Esta peça nasceu de um convite do Frederic Cardoso para que escrevesse uma obra para clarinete solo, voz e electrónica a ser estreado no seu recital “Diálogo a Preto e Branco”, parte da série de concertos intitulados “Estado da Nação” da Casa da Música.
O nome e a ideia da peça surgiram de uma sobreposição das palavras portuguesas “preto” e “branco”. Por uma feliz coincidência, apercebi-me de que esta sobreposição poderia criar a palavra pranto.
Resolvi escrever uma carta (aberta) em forma de poema para o meu pai. A partir daí, desenvolvi a música e o poema lado a lado. Esta é uma das peças em que trabalho o som do texto – o som das palavras – como elemento essencial do seu resultado sonoro, aparecendo o texto na electrónica, na parte vocal e, também, no clarinete. Procurei transmitir um diálogo sincero, a preto e branco. Talvez esta seja mesmo a peça em que o meu lado pessoal está mais exposto, vulnerável.
pranto foi estrada pelo Frederic Cardoso e Ana Santos, na sala 2 da Casa da Música, a 4 de Junho de 2019.